terça-feira, 26 de outubro de 2010

cinema: 'os excêntricos tenenbaums', de wes anderson

(nos últimos dias, ando interessado em cinema...)

deixo aqui, sem mais explicações, a sequência de 'os excêntricos tenenbaums' na qual richie (luke wilson), atormentado por um amor incestuoso e não correspondido pela irmã adotiva, margot (gwyneth paltrow), tenta suicídio.




'os excêntricos...' é um filme classudo que apresenta de maneira tragicômica os traumas e dilemas mais ou menos bizarros de pessoas que, no fim das contas, querem apenas ser normais.

com um roteiro bem bacana, a história é dividida em capítulos, uma ótima maneira de evidenciar os problemas, por assim dizer, reais (e imaginários) de cada um dos personagens. entre os atores, todos muito afiados e garantindo maior credibilidade à história, o destaque é gene hackman, que interpreta o patriarca mau caráter da família. impagável.

o filme é cheio de sutilezas, melodramas e grandes sacadas. vale a pena destacar, por exemplo, o fato de ser impossível afirmar com precisão em que época o filme se passa. não posso deixar de mencionar também os táxis caindo aos pedaços da gipsy cab co., que sempre aparecem quando alguém precisa de ir a algum lugar.

confira também o trailer:




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p.s.: este post é dedicado aos amigos que não entendem o fato de eu, salvo honrosas exceções, não ter o menor interesse por humor, comédias, essas coisas...


quarta-feira, 15 de setembro de 2010

literatura: 'recordações da casa dos mortos', de fiodor dostoievski

'o que eu queria era mostrar-vos o nosso presídio e tudo quanto aí passei durante esses anos, por meio de um quadro compreensivo e claro. não sei se consegui esse objetivo, em parte, não me compete a mim apreciá-lo. mas estou convencido de que posso acabar aqui. além do que, às vezes, com estas recordações, me sinto triste'. (trecho de 'recordações da casa dos mortos', de fiodor dostoievski)

em 1829, o escritor russo fiodor dostoievski foi preso e condenado à morte por frequentar reuniões de um movimento socialista conhecido como 'círculo de petraschevki'. no entanto, instantes antes de sua execução, diante do pelotão de fuzilamento, o escritor teve sua pena convertida para quatro anos de trabalhos forçados num campo de concentração na sibéria. 'recordações da casa dos mortos' é um relato romanceado, que parte de algumas premissas fictícias, para descrever o ambiente de penúria no qual o escritor viveu durante a prisão.
embora seja um registro de caráter biográfico, o livro não tenta estabelecer uma ordem cronológica precisa. além disso, alguns fatos realmente vividos por dostoievski são atribuídos a outros personagens. por exemplo, o fato de ele ter sido um preso político. de qualquer modo, alexander petrovitch, o personagem central do livro, é o seu alter ego e, através dele, o leitor é conduzido à ‘casa dos mortos’.
 o ponto central para dostoievski é, na verdade, expor seu estado de espírito durante o cárcere. durante a leitura, é possível perceber que a grande sutileza da obra foi justamente diluir os fatos e tentar criar uma linearidade psicológica do personagem desde a sua prisão até o momento da liberdade. por exemplo, a longa parte inicial, que sem nenhum grande acontecimento, realça muito bem o estado de profundo abatimento, extrema solidão e silêncio dos seus primeiros meses na prisão. do mesmo modo, há também a descrição da comoção sentida nos pequenos episódios que antecedem o momento da sua liberdade no fim do livro.
 um detalhe que chama muito a atenção é a vida social do presídio, cuja grande maioria da população carcerária é formada, obviamente por homens nascidos na pobreza, com pouquíssima ou nenhuma instrução. à medida que o livro avança, dostoievski nos apresenta os diferentes tipos que povoam o presídio, a maneira como eles se organizam e, principalmente, a percepção que cada um tem de si mesmo e da cadeia.
 durante todo o livro, é perceptível o forte contraste entre alexander petrovitch e os demais prisioneiros. vê-se com muita clareza que um dos piores aspectos da pena foi o isolamento intelectual vivenciado. o único livro permitido era a bíblia. ao mesmo tempo, há poucos pares dispostos ao debate ou interessados em questões mais profundas que, naturalmente, ocupavam a mente de dostoievski durante o cumprimento da pena.
 'recordações...' é literatura de primeira grandeza, mas, em nenhum aspecto, é um livro recreativo. o tom auto-biográfico reforça ainda mais esse traço. o texto nos mostra um homem isolado num ambiente aterrador, macabro e violento. é muito difícil manter-se indiferente às mazelas ali descritas: há pouquíssimo espaço para alegria ou leveza. ainda assim, é uma leitura atraente pelo tom confessional imposto pelo autor, assim como, pela sua facilidade em verbalizar impressões e sentimentos de maneira magistral. no fim, a grande lição deixada é que o valor da vida fica muito mais evidente quando nos vemos privados da possibilidade de viver com plenitude. acima de tudo, 'recordações...' é um relato humanitário.



quinta-feira, 18 de março de 2010

'sister', do sonic youth

em seus quase trinta anos de carreira, o sonic youth tornou-se um ícone do underground. avessos aos esquemões de grandes gravadoras, thurston moore (gt/v), lee ranaldo (gt/v), kim gordon (bx/gt/v) e steve shelley (bt) sempre privilegiam sua autonomia e originalidade musicais e, ano após ano, lançam discos sensacionais.

entre esses lançamentos, 'sister', a meu ver, se sobressai. lançado em 1987, o álbum é a pedra fundamental da sonoridade da banda, pois, embora menos badalado que os seus sucessores ('daydream nation', 'goo', 'dirty'...), o disco contém de forma bastante amadurecida a sonoridade consolidada pelo grupo ao longo de uma excepcional discografia. em 'sister', a banda acerta na mosca ao misturar lo-fi, noise, pós-punk, pop e experimentações.

o grande mérito de 'sister' é conseguir capturar pela primeira e de forma mais bem acabada a variedade sonora que o sonic youth já era capaz de proporcionar. há, espaço para as mais diversas possibilidades, inclusive, para uma das baladas mais geniais da história do rock 'cotton crown': amor puro e simples pela ótica do sonic youth na dobradinha vocal do casal moore e gordon.

o álbum contém barulheiras sujas e rápidas como 'stereo sanctity' e 'pipeline/kill time'. há ainda a genial e dissonante 'pacific coast highway', cuja letra fala sobre uma carona e seus fetiches. e tem também 'hot wire my heart', que deveria ser tocada nas pistas de festas alternativas.

mas o meu destaque vai mesmo para 'schizophrenia', que está logo na abertura do álbum. esta, aliás, é uma de minhas músicas prediletas de todos os tempos. cadenciada, intensa e cheia de sutilezas, a música conta justamente a história da tal 'irmã' que dá título ao disco. ela é o cartão de visitas perfeito para um disco perfeito.

'schizophrenia' ao vivo. precisa falar mais alguma coisa?

o saldo final é um álbum repleto de músicas muito simples, mas todas muito bem pensadas, bem estruturadas e de excelente melodias propositalmente camufladas por barulhos e dissonâncias. na verdade, em 'sister' o sonic youth começou a construir sua fama de uma banda de art rock.

saiba mais sobre o sonic youth e conhça a discografia da banda.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

o álbum, o livro e o documentário: the dark side of the moon


'the dark side of the moon', lançado em março de 1973 pelo pink floyd, é umas das obras-primas do rock de todos os tempos e é um sucesso comercial. o álbum é um dos maiores êxitos da cultura pop e alcançou reconhecimento de público e de crítica nesses seus quase 40 anos de vida. bateu, por exemplo, o recorde de permanência no top 200 da billboard, um dos principais semanários músicais dos estados unidos. ao todo, foram 741 semanas consecutivas entre os álbuns mais vendidos da américa. por si só, a façanha já tornaria a banda célebre.

uma das consequências óbvias é que o sucesso do disco gerou uma série de sub-produtos. desde souvenirs até documentários para a tv. um desses frutos é 'the dark side of the moon - os bastidores da obra-prima' (2006), livro escrito pelo jornalista inglês john harris, que nos proporciona uma perspectiva mais apurada do disco. a preocupação do autor em mostrar tudo que envolvia a banda durante processo de criação do 'dark side...' é muitíssimo evidente e é também o principal atrativo para sua leitura. ou seja, não se deve ignorar o contexto no qual o álbum foi concebido e registrado.

muitas coisas me chamaram a atenção. impressiona, por exemplo, a maneira como a banda é apresentada pelo autor. no início dos 70's, o pink floyd era tido como umas das maiores bandas underground do mundo. contudo, embora houvesse esse reconhecimento e um relativo sucesso, john harris nos mostra um pink floyd relutante, insatisfeito com os resultados do próprio trabalho e atormentado pelo fantasma do seu primeiro band leader: syd barret. o pink floyd pré-dark side estava sempre a um passo da dissolução, mas a própria relutância dos membros da banda em discutirem o que havia de errado impediu que a carreira da banda fosse abreviada e eles seguiram em frente.

fiquei tentando imaginar o que isso significava: 'ser uma banda underground bem sucedida'. porque naquela época, pelo menos até onde eu sei, não existia o que hoje entendemos como uma cena alternativa forte e coesa. os mecanismos de divulgação e sustentação de uma banda eram infinitamente mais restritos que hoje. calculo que a banda representava vagamente o que o sonic youth representa para o rock alternativo dos 90, ou algo parecido.

vi com bastante interesse a forma como o álbum anterior, o bem menos badalado 'meddle', de 1971, ('obscured by clouds', de 1972, é, na verdade, uma trilha sonora feita por encomenda) e particularmente a suíte 'echoes', foi o catalizador que deu ao pink floyd as referências musicais e conceituais que a banda procurava desde a perda de barret. a música consolidou a personalidade da banda sem o ex-líder e foi decisiva para o que viria a seguir.

há também a interessantíssima história da criação da capa que, a meu ver, é uma das mais emblemáticas da história do rock. aliás, desconfio que aquela imagem é muito mais rapidamente reconhecida que as capas de outros álbuns clássicos como: 'sgt.peppers', 'led zepellin iv', 'pet sounds', 'exile on main street', etc. pouquíssimos discos conseguiram um estreitamento tão grande entre identidade visual e música como o disco lançado por roger waters & cia em 1973.

como não poderia deixar de ser, o livro também trata do impacto do sucesso na carreira da banda e a crescente tensão entre os seus membros, especialmente waters e gilmour, nos anos que se seguiram até a saída do baixista/líder e a posterior guerra judicial pelo nome do grupo em 1983.

embora o livro seja fantástico, a tradução para a versão brasileira é um pouco frágil. em muitos momentos, aparecem palavras e expressões que me pareceram bem estranhas ao contexto do livro. não falo isso por ter visto a edição original ou por ser especialista em inglês ou traduções. mas já li o bastante para saber que nem o mais amador dos escritores comete determinadas gafes, então, só podem ser falhas da edição dessa edição em português.

o documentário

documentário da bbc sobre o álbum. é só seguir os vídeos de 48 a 52 da listar de reprodução
outra sugestão é que também assistam ao documentário da série 'classic álbuns', lançada pela bbc que, inclusive, está disponível no youtube. o documentário realça aspectos mais técnicos da gravação do álbum, presentes no livro, e também fala do clima em torno da concepção do disco. em resumo: leia o livro, veja o filme e ouça o disco.

dois links

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

'hardcore devo, vol. 1', do devo


o texto abaixo foi escrito pela kennia, que sempre revisa os posts do blog pra mim. ela, que é fã confessa do devo, disponibilizou o 'hardcore devo, vol. 1' somente para amigos e escreveu algumas impressões sobre a coletânea. baixei, ouvi e gostei. li também o texto e achei bacana, pessoal sem perder a objetividade. resolvi publicá-lo aqui. aí vai.


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se vc não conhece o devo do 'whip it', 'that's good' ou 'time out for fun', peço encarecidamente, que não baixe essa coletânea (pelo menos, enquanto não ouvir músicas mais comerciais da banda).

o seu ipod, mp4 ou o escambau correm o risco de se chocarem com a primeira parede que você ver a sua frente. e o devo ser estigmatizado pelo resto da sua existência. a não ser que goste de experimentalismo/minimalismo eletrônico.

se vc curte isso e já deu uma boa escutada no som do grupo, então, termine de ler esse texto e vá fundo no download.

você vai conhecer um devo diferente, um disco com muita guitarra, sintetizadores (caseiros, eles mesmos confeccionavam a parafernália ensurdecedora, na época), fazendo um som '... desde o minimalismo eletrônico do kraftwerk a um rhythm and blues.' (definição retirada do site http://www.devobrasil.com.br).


'mongoloid' ao vivo, em algum lugar do passado.

'hardcore devo' são duas coletâneas, com quatro discos. as versões da compilação foram gravadas antes do devo ser devo, digamos assim, e são experimentações de porão de 1974 a 1977. o primeiro álbum da banda, 'q: are we not mMen? a: we are devo!' viria a ser lançado em 1978.

algumas das músicas foram regravadas depois e apareceram nos álbuns pós-1978. uma delas é 'mongoloid' (música que fez eu me apaixonar pela banda, na versão que está no álbum de estreia). mas a maioria continuou obscura para o público, pelo menos, até o lançamento dessa miscelânea hardcore.

saiba mais sobre 'hardcore devo, vol.1' aqui.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

primal scream, 'sonic flower groove' (1987)


hoje, pop britânico.

'sonic flower groove', álbum de estréia do primal scream, é um disco injustiçado.

depois de tocar bateria no 'psychocandy', do jesus and mary chain; bobby gillespie deixou os irmãos reid pra lá, foi cuidar da própria vida e montou o primal scream.

em seu debut, a banda foi solenemente ignorada por crítica e público, passando praticamente despercebida. ali, gillespie & cia mostram melodias influenciadas pelo delicadeza dos 60's e referências a bandas como o velvet underground. o álbum está recheado de canções pop sensacionais, entre elas a faixa de abertura 'gentle tuesday', a dançante 'silent spring' e a balada 'love you', que lembra muito o próprio jesus and mary chain nos momentos de sossego. também destaco 'imperial' e 'aftermath'.

na verdade, o primal scream surgiu como um das pioneiras da cena que marcou o início da 2ª metade dos 80's no reino unido, a 'classe de 86', tendo participado, inclusive, da coletânea 'c86', lançada pela revista new musical express.

a c86, por si só, já é assunto para uns dez posts. muitas bandas interessantes surgiram naquele momento e vale sinalizar que além do novo apelo sonoro, aquelas bandas também foram inovadoras não só em termos musicais, mas também em relação ao visual e à atitude, que eram totalmente alternativos à proposta das grandes gravadoras que controlavam o mercado fonográfico. assim, a classe de 86 foi o pontapé inicial do que se convencionou chamar de cena indie e, a partir dela, muitos sub-gêneros surgiram.

foi neste contexto que o primal scream sugiu e lançou um discaço. infelizmente, no fim das contas, 'sonic...' passou batido e foi um fracasso comercial. no entanto, continua sendo um disco básico para quem está interessado em melodias pop perfeitas.

só depois desta primeira empreitada, a banda começou a converter o seu som em algo mais voltado para o eletrônico/acid, que sempre foi tido como inovador. aliás, 'screamadelica', o álbum clássico da banda abarrotado de acid, só foi lançado em 1991.

em 2006, a banda ensaiou uma retomada em direção ao rock mais orgânico ao celebrar o rock/country/blues com o álbum 'riot city blues', mas isso já é outra história...

confira mais sobre o 'sonic flower groove' aqui.

pra fechar um vídeo ao vivo de 'silent spring'

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

literatura/teatro: 'liberdade, liberdade', de millôr e flávio rangel


'apesar de tudo o que já se disse e de tudo o que dissemos sobre a liberdade, muitos dos senhores ainda estão naturalmente convencidos que a liberdade não existe, que é uma figura mitológica criada pela pura imaginação do homem. mas eu lhes garanto que a liberdade existe. não só existe, como é feita de concreto e cobre e tem cem metros de altura'. (extraído de 'liberdade, liberdade', de millôr fernandes e flávio rangel)

hoje, é a vez de um livro q tem muito a ver com minhas preferências, pois, embora não frequente teatros, sempre leio peças. quero comentar um pouco 'liberdade, liberdade' (1965), de millôr fernandes e flávio rangel.

'liberdade...' é um tipo de texto que se convencionou chamar colagem, ou seja, fragmentos de diferentes gêneros agrupados em torno de um tema central. na obra de millôr e rangel, encontramos citações de grandes representantes da poesia, da filosofia, da música popular, da literatura, do teatro, da política, etc. estão lá desde os gregos clássicos aos poetas brasileiros; desde sigmund guillotine a winston churchill. há citações até mesmo de discursos de adolf hitler!

para uma boa compreensão do livro é preciso entender o contexto no qual ele surgiu. em 1965, o brasil vivia os dias de ferro da ditadura e tudo aquilo que contrariasse o governo militar estava sujeito, dentre outras consequências, à censura.

naquela época, portanto, discutir a liberdade era não apenas uma questão existencial, mas uma questão de posicionamento contra o estados de coisas que o país atravessava. por esta razão, 'liberdade...', além de inovador por se tratar de uma colagem, também inaugurou uma segmento novo no dramaturgia brasileira: o teatro de protesto.

a primeira montagem do espetáculo, que, na verdade é um musical, contou com paulo autran, tereza rachel, oduvaldo vianna filho e narão leão. a estréia foi em 21.abr.1965 e proibida pela censura meses depois.

'liberdade, liberdade' foi publicado pela coleção l&pm pockets e é de fácil aquisição em qualquer livraria.